Armandinho Macêdo é um dos maiores ícones da música baiana, conhecido por sua trajetória brilhante no cenário do axé e do carnaval. Com 50 anos de carreira, o músico e compositor fez história ao lado de sua banda, Armandinho, Dodô e Osmar, e se consolidou como um dos principais responsáveis pela popularização do trio elétrico. Sua música, marcada pela fusão de ritmos tradicionais e inovadores, atravessou gerações e se manteve relevante, com a recente indicação ao Grammy Latino, ao lado de Yamandu Costa, como um dos grandes marcos de sua trajetória. Na entrevista a seguir, Armandinho fala sobre sua carreira, os 50 anos da banda e a relevância de sua obra para a música brasileira, destacando ainda as participações especiais que marcaram o Carnaval de 2024.
Alvo dos Famosos: Você começou sua trajetória muito jovem e logo ganhou reconhecimento nacional. Como foi para um garoto de 15 anos lidar com essa fama após o concurso “A Grande Chance”?
R: Pois é, muita gente não sabe desse meu começo, foi na Grande Chance. Eu fiz o primeiro concurso aqui em Salvador, eu ganhei aqui, veio a final no Castro Alves com o júri do Flávio Cavalcanti, e me levaram para o Rio de Janeiro, onde eu fiz uma semifinal, passei e fui aprovado para a final, que foi no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. E foi uma apresentação apoteótica, porque a plateia toda levantou para aplaudir. Era um programa que passava a nível meio nacional, só não ia para o Sul, mas passava em todo o Norte, Nordeste, toda essa região aqui. Eu fiquei muito conhecido como o menino do bandolim, gravei três discos, os meus três primeiros discos: o compacto ao vivo da Grande Chance, com o Pupu Rico, eu toquei com o Dino Sete Corações. Depois gravei um compacto duplo, e depois veio o LP, em 1970. Assim eu comecei a minha carreira profissional.
Alvo dos Famosos: O trio elétrico foi uma invenção revolucionária da música brasileira. Como você enxerga a evolução desse conceito ao longo dos anos e a sua contribuição para essa história?
R: O Trio Elétrico foi a verdadeira revolução para o Carnaval de Salvador, porque mudou tudo, jogou no campo da eletricidade, a trieletrização, isso foi uma coisa fenomenal. Eles fizeram seguir o Trio Elétrico no estilo Dodô e Osmar, até os anos que a gente entra realmente, em 74, os irmãos Macedo e tal, essa nova geração, porque eu já entrei com uma nova mentalidade, com a mentalidade de banda, com a influência de Beatles, de Jimi Hendrix e tal, e tudo isso veio influenciando a gente. E a gente começa a transformar o trio, que era um cavaquinho, violão e a percussão rebaixada nas laterais, aquela percussão de xaranga, de frevo. E a gente passou para o estilo banda, em cima do trio, com bateria, com contrabaixo, e trouxemos o primeiro cantor, nós chamamos, convidamos o Moraes Moreira, que não era nem para cantar porque era instrumental, mas em um momento lá ele pegou o microfone e cantou. Foi quando meu pai anunciou o primeiro cantor no nosso trio elétrico, isso em 1975.
Alvo dos Famosos: A Cor do Som foi uma das primeiras bandas a misturar música regional com rock, um movimento que influenciou muitas gerações. Como você vê o impacto desse trabalho na música brasileira hoje?
R: Já a Cor do Som, eu começo com outra vertente minha musical, que é o bandolim, o chorinho. A gente começa basicamente tocando o Ernest Zanzaré, depois começamos a fazer os nossos chorinhos, misturando, aí vem a mistura com o baião. E lógico que a gente vai entrando na área pop, que é uma forte influência nossa, que eu já tinha, já vinha com o elétrico do meu trio elétrico e essas influências de rock. E a gente passa a misturar tudo, teve uma grande importância, assim, principalmente eu vejo muito nos atuais músicos de bandolim no Brasil. E lancei mais uma corda nos instrumentos, fiz isso na guitarra baiã. Fiz isso no bandolim, hoje muito usado por eles todos, foi uma necessidade de ampliação harmônica, melódica, ter mais uma corda para o grave. Então, a Cor do Som, a gente começa um trabalho muito importante porque fez muito sucesso. A princípio, era instrumental, mas quando a gente começou a cantar, fez muito sucesso e levou esse instrumental para um público maior. Inclusive, muita gente nova passou a conhecer o Jacó do Bandolim, o Ernesto Nazaré, a partir desse trabalho com a Cor do Som, um trabalho renovado, com a galera nova fazendo a música brasileira com essa roupagem. E a Cor do Som, quando começa a cantar, começa a influenciar também o trio elétrico, porque as músicas que eu fazia na Cor do Som, elas começam a entrar. Zanzibá foi a primeira, gravada em 80, no carnaval de 81, os trios elétricos já estavam tocando Zanzibá, o zero, e começaram a absorver um pouco a formação da Cor do Som, de percussão, com o que a gente fazia. Então, a Cor do Som teve muita influência nessa jornada do axé, eu diria, porque Zanzibá é um afoxé, e isso aí veio influenciar muito a todos eles. O próprio Carlinhos Brown fala muito isso, que Armandinho influenciou. Muito pela minha história, que se aproximava muito musicalmente da música do Carnaval. Essa parte em que a Cor do Som influenciou também o axé music, né? De certa forma, nunca foi contada, nunca foi falada.
Alvo dos Famosos: Como surgiu a canção “Chame Gente”, que é tão tocada nos carnavais?
No segundo disco do Trio Elétrico, É a Massa, a gente entendeu que estava trazendo uma nova geração musical pro Trio Elétrico, pro Carnaval. E tudo a gente chamava de a nova geração do trio, tem músicas assim, né? A Nova Saudação, porque meu pai sempre fez uma saudação de Trio Elétrico. Então, eu entrei com a Nova Saudação e fiz uma saudação que já é o começo da melodia de Chame Gente. Dez anos depois, eu sempre me juntava com ele, dizendo “vamos fazer a música desse ano e tal”. Dez anos depois, gravando um disco do Trio, eu falei pra ele: “Vamos fazer a música”. Ele, rapaz, tocou uma ideia de uma letra. “Pegue aquela saudação que você fez, transforma ela em frevo, traga ela aqui.” Aí, eu gravei ela toda numa fitinha, sete e tal, botei ela em frevo, né? E aí levei, fui lá pro Morais, botei ela já de um jeito para entrar letra, porque os solos dela que eu faço na saudação, entram as partes muito rápidas e eu quis adequar a uma, já a uma letra, né? Pra entrar o cantado. E aí levei pro Morais a melodia, toda prontinha. Chegando lá, rapaz, como ele já tinha uma ideia da melodia da saudação, né? A letra dele encaixou totalmente na melodia. Só na hora do carnaval, o baiano é… eu aí mandei na hora: “carnaval”, e o Morais não aceitou. Foi engraçado isso, porque ele disse: “Não, não, não é carnaval.” Ele estava buscando uma coisa mais, sei lá, mais sagrada, mais profunda, né? Sagrado e profano, porque o baiano é, sei lá, religioso, é autêntico, mas a palavra carnaval… carnaval caiu. Três dias depois, ele me ligou e disse: “É, Armandinho, tá ficando mesmo carnaval.” Mas, pô, vem aqui em casa, vamos fazer um refrão. Aí, eu fui lá, né? Como dono da melodia, tinha que acompanhar a ideia do refrão. Ele queria falar do chame-chame, do carnaval, da barra. Aí, com essa ideia de chame-chame, veio a expressão chame-gente, que é uma expressão de uma ex-mulher do Ângela Nô. O Ângela foi que, uma vez, chamando pra uma festa, falou isso: “chame-gente!” E o Morais ficou impressionado. “Porra, que jeito baiano de chamar, chame-gente, olha só!” E ficou com essa expressão guardada e utilizou justamente aí, fazendo a música. Ele disse: “Olha só, aquilo que Ângela falou e tal, chamando pra festa.” Aí, ficou chame-chame, chame-gente.
Alvo dos Famosos: Você já tocou em grandes festivais internacionais, como Montreux e o MIMO em Portugal. Existe alguma apresentação fora do Brasil que tenha sido particularmente marcante para você?
Tivemos, sim, muitas apresentações importantes no exterior, em Toulouse, no início, festas assim de rua, contra o elétrico, de botar uma multidão nas ruas. O Carnaval de Toulouse em 85, 86, nós fizemos essa festa maravilhosa, mas teve uma importantíssima que foi a primeira vez que nós saímos, em 83, na Piazza Navona, na Itália, em Roma, onde a gente montou um trio elétrico lá, naturalmente montado por eles, italianos, o Gianni Amico, que era o produtor da festa. Botamos 100 mil pessoas na praça, parou Roma, foi uma loucura, e botamos o trio elétrico e fizemos uma apresentação de duas horas na Piazza Navona. Foi uma apresentação maravilhosa. Quando meu pai disse: “Estamos trieletrizando o mundo”, foi bonito.
Alvo dos Famosos: O álbum “Encontro das Águas”, em parceria com Yamandu Costa, está concorrendo ao Grammy Latino. Como foi a experiência de trabalhar com ele nesse projeto?
Minha parceria com Yamandu começa quando ele tinha uns 11 anos, e o pai dele lhe apresentou um disco meu com Rafael Rabelo, de quem ele era fã. Yamandu, inspirado por Rafael e querendo ser violonista de sete cordas, ficou me admirando desde pequeno. Quando ele já tinha uns 16, 17 anos, começou a falar com meu empresário, querendo me conhecer. Um dia, ele apareceu num show que eu fiz em São Paulo, e logo depois começamos a tocar juntos. O Yamandu é um gênio do violão sete cordas, e ele me considera um dos padrinhos dele. A partir disso, passamos a preparar um disco que gravamos recentemente, em seu estúdio, na casa dele, em Portugal. O álbum “Encontro das Águas”, que foi indicado ao Grammy Latino, representa a materialização de algo que já vínhamos fazendo há 20 anos. Recebemos o reconhecimento no Prêmio da Música Brasileira, onde ganhamos como Melhor Lançamento de Música Instrumental. Para mim, ganhar novamente como instrumentista, depois de tanto tempo de carreira, foi um grande reconhecimento.
Alvo dos Famosos: No Carnaval de 2024, sua banda comemorou 50 anos com grandes participações. O que essa celebração representou para você e qual foi o momento mais especial dessa festa?
Comemoramos 50 anos da banda Armandinho, irmãos Macedo, e a celebração foi um marco importante. O nome Dodô e Osmar, que usamos no trio elétrico, não foi dado por eles, mas sim por nós, que os trouxemos para o mercado fonográfico. Tivemos grandes participações de artistas da axé Music, como Carlinhos Brown, Bell Marques, Duval Lelys e até o compadre Washington, Beto Jamaica, que aceitaram de bom coração. Para nós, foi uma verdadeira homenagem, um reconhecimento do nosso trabalho. A festa simbolizou a consagração de nossa história musical, que começou nos anos 60 e continua influenciando a música baiana e o carnaval. A celebração nos deu um reforço histórico, com a participação dos novos nomes que seguiram a nossa linha.
Alvo dos Famosos: Com mais de 60 anos de carreira e mais de 40 álbuns lançados, ainda há algum sonho musical que você deseja realizar?
Sim, existe um desejo constante: colocar uma música na mídia, no Carnaval. A gente sempre faz músicas novas, mas nunca consegue esse espaço. O mercado está sempre voltado para o novo e para o que está acontecendo no momento. Embora a gente esteja fazendo uma música nova, ela não tem espaço para se projetar. Agora, temos uma música maravilhosa, com a participação de Ivete Sangalo, que foi feita pelo maestro Alfredo Moura. Ela tem uma batida eletrônica, uma base nova, uma forma de apresentação diferente. O problema é que, com a concorrência tão grande na mídia, é difícil conseguir essa projeção. O Carnaval de Salvador, por exemplo, deveria dar mais espaço para essas músicas históricas, porque é o público quem mantém nossa história viva, mesmo sem ouvir as músicas nos grandes meios de comunicação. E estamos aí, com mais uma música, esperando que ela tenha espaço na mídia, nas rádios. A participação de Ivete foi super generosa, e a música é um grande presente do maestro Alfredo Moura. Está muito interessante, vale a pena conferir. Nosso projeto se chama “Me Chamo Trio” e, entre parênteses, tem o nome “O Vento e o Vinho”, que é o nome original de Alfredo. Vamos seguir em frente!