Há décadas, Tati Bernardi ganha a vida escrevendo sobre si. Não apenas sobre si mesma, mas sobre aqueles que a cercam: seus amigos, colegas, família, namorados e ex-namorados são rotineiramente transformados em textos que serão publicados e lidos por diversas pessoas.
“Eu não vou mudar, é uma coisa que me dá muito prazer. É o que eu sei fazer. Não sei fazer outra coisa”, explicou Tati em entrevista à CNN. Ela costuma aceitar as consequências da exposição, já que a escrita faz parte de sua vida. Quem nem sempre aceita muito bem são os outros.
Em seu novo livro de autoficção, “A boba da corte”, a escritora expõe os comportamentos de uma elite intelectual da qual ela sempre quis fazer parte, mas que se revelou muito diferente do que ela esperava quando passou a conviver neste meio. Ao comprar essa briga, Tati também sabe que recai sobre ela a responsabilidade de proteger as pessoas que existem na vida real.
“Geralmente, o personagem de um livro é uma mistura de quatro pessoas. Eu pego três, quatro pessoas que eu acho que rendem uma piada, e aí eu junto as quatro numa só e crio uma personalidade que tem aquele comportamento com várias piadas”, explicou ela. “Ninguém ali é exatamente real, apesar das histórias serem, de certa forma. Então, cada personagem ali é uma soma de situações.”
“As pessoas estão sempre muito protegidas: é outro nome, outra idade, outra cidade, outro tempo, outra época, outra festa”, acrescentou.
Quem, ainda assim, se incomoda com a exposição, costuma deixar de fazer parte de seu círculo mais próximo. “O meu núcleo hoje, de amigos, de família, de namorado, é a galera que entende que eu trabalho como escritora. Eu sou uma escritora autobiográfica, então, obviamente, quem faz parte da minha vida vai aparecer no que eu escrevo, não tem como fugir disso”, falou.
“Acho que as pessoas já se aproximam hoje em dia sabendo disso”, a autora acrescentou. “Me causa problemas, mas também acho que seleciona uma galera que tem a ver comigo.”
“Não fui eu”
Mas, como nem sempre é possível passar ilesa, Tati também já teve algumas crises em seus relacionamentos pessoais motivadas por seus textos.
“O último livro que eu escrevi, ‘Você nunca mais vai ficar sozinha’, é sobre uma relação de mãe e filha. Minha mãe ficou um mês sem falar comigo”, contou ela. “Ela ficou brava pelo que eu inventei e pelo que era real. Minha mãe sempre fica brava.”
Mesmo assim, ela conta com a compreensão de que uma escritora precisa entregar algo, mesmo que seja pessoal.
“Já aconteceu de um namorado meu terminar por causa de uma crônica. Depois a gente voltou, seis horas depois a gente voltou. Mas ele entrou no meu escritório e falou: ‘Por que é que você expôs a nossa briga? Isso é uma coisa íntima, as coisas que eu te falei, as coisas que você me falou.’ E eu tive uma reação que depois eu dei muita risada na minha terapia, eu olhei para ele e falei: ‘Não fui eu’”, relembrou Tati, rindo.
“Foi uma reação assim muito espontânea. Mas a real é que tem algo que escreve para além de mim”, ela explicou. “O que eu estava querendo dizer é: não foi de propósito, não era pra te ferrar. É porque é o que eu faço da vida!”
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